Na semana em que a Vila completou 115 anos de história, a mix resgata 15 atrativos do pedacinho da Bélgica aqui. Da memória até a história viva, passando pela boemia, arte e retrô, além de cultura e empreendedorismo. Aqui mostramos o que os moradores do Centro Histórico Ferroviário de Santa Maria vêem das janelas de suas casas todo dia.
1 A história viva. Os moradores
Foto: Eduardo RamosValmir Borges, maquinista, artista e o Posto Ipiranga da Belga, segura a miniatura do Trem Húngaro. Ao fundo, pintada por ele na parede de casa, uma locomotiva.
– Toda pessoa que chegar por aqui, pode me procurar, eu sou uma espécie de Posto de Informações da (Vila) Belga. Podem vir. Cheguem aqui, vão ser bem recebidos. Me coloco à disposição para levar para conhecer todo o espaço (da Vila Belga)! – convida Valmir Borges, de 82 anos., que mora na Rua Ernesto Beck e está sempre pronto para receber visitantes e contar a eles sobre o “homem morto” do Trem Húngaro.
Nas mãos, ele segura o seu passado: uma miniatura do trem húngaro, em que foi maquinista por décadas.
– Fazíamos a viagem da madrugada de Santa Maria a Uruguaiana. Ida e volta. E para gente não dormir, o Trem Húngaro tinha um dispositivo chamado “homem morto” que, claro, servia justamente para evitar acidentes. O “homem morto” era um pedal que o maquinista devia pisar a cada 30 segundos. Caso contrário, uma sirene tocava para acordar o funcionário dorminhoco. Eu nunca ouvi, mas diziam que era muito alta – conta o artista que desenha trens pela Belga.
2 Pôr do sol de milhões
Foto: Paulo Conceição/arquivo pessoalde milhões
O jeitinho que astro rei se põe na Vila Belga, pechando nas casinhas coloridas e paralelepípedos já na sombra, é diferenciado. Ainda mais se essa sequência for acompanhada de um amargo, em uma roda de conversa entre amigos, que marcaram de se encontrar no Brique. No outono, inverno, verão ou primavera, ele fica por essa estação, fica na Belga.
3 Ateliês de Arte
Foto: Lucas AmorelliGaleria e ateliê BelgArt, idealizada pelas artistas visuais Márcia Vendrúsculo (à esq.) e Laura de Souza, traz ao público pinturas, colagens e desenhos
A Vila também conta com dois ateliês de arte. A BelgArte e a Faro’del Arte. A BelgArte foi idealizada pela artista visual Laura De Souza e pela arte-educadora Márcia Vendruscolo. A BelgArte funciona das 14h às 18h com mostras de Arte, oficinas e grupos de estudos.
Já o Faro’del Arte foi criado pela pintora e escultora Clarissa Fabrício. Ele tem aulas de desenho, pintura e escultura. O ateliê funciona das 14h às 19hs, de segunda-feira a sexta-feira.Ambas galerias funcionam no mesmo prédio, na Rua Manoel Ribas, 1972, desde 2018. Elas também participam do Brique.
4 Antiquários
Foto: Eduardo RamosNo Empório, esse relógio de pêndulo raro custa até R$ 16 mil reais
A Belga conta com três antiquários: Empório da Relíquia, Museu do Azulejo e o Antiquário do Senhor Elias. Quem passa por lá, encontra louças, pratos, bombonieres, centros de mesa, vasos, móveis antigos, sebo de livros, moedas e quadros vintage. As lojas oferecem itens com preços populares como abajures de R$ 35 e, claro, itens raros, como um relógio de pêndulo de R$ 14 mil à vista.
Se parcelar, ele pode chegar a R$ 16 mil. Os antiquários funcionam em horário comercial e também participam do Brique da Vila Belga.
5 Escola Municipal de Arte Eduardo Trevisan (Emaet)
Foto: Eduardo RamosA Escola de Artes oferece aulas de graça. As vagas são limitadas
A Emaet oferece cursos de Iniciação às Artes Visuais, História das Artes Visuais, Iniciação à Música, Iniciação às Artes Cênicas, nas categorias infantil, juvenil e adulto. Segundo a professora e coordenadora, Elionice Dias Machado, há vagas em alguns cursos, como nos curso de escaleta, técnica vocal, teatro juvenil e artes visuais adulto.
Quem se interessar pelas vagas, pode ligar para o telefone (55) 3223-5559 ou entrar em contato pelas redes sociais da escola. Qualquer pessoa pode se inscrever – explica.
6 Patrimônio contemplado pelo projeto Iconicidades
Em outubro do ano passado, Santa Maria se tornou o único município da Região Central contemplado pelo projeto.
Lançado em junho de 2021 pelo governo gaúcho, o projeto Iconicidades surgiu para incentivar iniciativas criativas e empreendedoras nas cidades do Rio Grande do Sul. A ideia é estimular a retomada de espaços arquitetônicos icônicos, ou seja, de ambientes que fazem parte da identidade local, seja pela localização, pelo estilo e, também, pelo valor histórico.
Assim, ocorreu um casamento perfeito entre o projeto Iconicidades e a iniciativa do Distrito Criativo, que quer revitalizar o Centro Histórico de Santa Maria. Em outubro do ano passado, Santa Maria se tornou o único município da Região Central contemplado pelo projeto.
A proposta é transformar o Clube dos Ferroviários em um centro de arte e economia criativa ficou entre as cinco mais bem avaliadas pela comissão técnica. Ainda, melhores ideias para cada espaço serão premiadas com valores entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, além de contrato para desenvolvimento do projeto executivo para o primeiro colocado.
De acordo com o vice-prefeito Rodrigo Décimo, a prefeitura pretende levar as atividades desenvolvidas pela Escola Municipal de Artes Eduardo Trevisan para o espaço.
7 Casa Floresta Artesanato
Foto: Eduardo RamosA Casa Floresta funciona de segunda a sexta, por agendamento. Já aos fins de semana, presencialmente, das 14h às 19h
A Belga também contribui para a renda de cerca de 20 artesãos locais que expõem seus trabalhos na Casa Floresta. São lembrancinhas, almofadas, panos de prato e até móveis antigos recuperados. O preço das peças varia entre R$ 20 até R$ 300. A Casa funciona de segunda-feira a sexta-feira por agendamento (devido à pandemia) pelo (55) 99601-7941. Já aos fins de semana, presencialmente, das 14h às 19h. A coordenação do local também pretende promover oficinas de artesanato nos próximos meses. A Casa Floresta também participa do Brique da Vila Belga.
8 Associação dos Moradores
Foto: Paulo Conceição/arquivo pessoal Associação foi inaugurada em 1995, consequência de lutas sindicais que iniciaram em 1913
A Associação dos Moradores da Vila Belga foi criada em 1995. Mas ela é resultado de uma mobilização que começou bem antes, em 1913, quando foi criado o Sindicato Cooperativista dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Foi a partir dele que os ferroviários belgas fizeram de Santa Maria uma estação para importantes avanços na educação e saúde durante o século passado.
– Com a criação do sindicato, eles (belgas) tiveram como preocupação a educação das mulheres. Foi desta demanda que foi criada a Escola Santa Terezinha, atual Manoel Ribas (Maneco). Já na saúde, os belgas ajudaram na construção do Hospital Casa de Saúde, que hoje é municipal, mas que, à época, atendia ferroviários de todo Estado. Era um dos hospitais mais qualificados de todo o país – explica Paulo Conceição, morador e atual presidente da Associação dos Moradores da Vila Belga.
O prédio em que fica a sede da associação ainda conta com um salão para as assembléias e um espaço onde estão itens históricos que ajudam a preservar e a contar a memória do Centro Histórico Ferroviário aos visitantes.
9 Patrimônio histórico
Foto: Eduardo RamosA arquitetura belga em casas coloridas são a marca registrada da Vila
Desde 6 de janeiro de 1988, a Vila Belga é considerada patrimônio histórico e cultural do município de Santa Maria (lei municipal nº 2983/88), e estadual (IPHAE). Em 13 de novembro de 1997, através de leilão que deu preferência aos então moradores, as casas passaram a ser propriedades particulares. O nome “Vila Belga” faz referência à nacionalidade da empresa (Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil) e aos primeiros moradores. O local é um patrimônio histórico tombado e acolhe centenas de moradores em suas casas coloridas com janelas charmosas, essa última característica, é marca da arquitetura belga da época. O projeto foi desenvolvido pelo engenheiro belga Gustave Vauthier, na época diretor da Companhia, e que atualmente dá nome a uma das ruas que cruzam o conjunto (a Rua Dr. Wauthier).
Nos 110 anos de Vila Belga, o Diário publicou uma matéria especial. Na capa do jornal, uma montagem com dezenas das famosas e histórias janelas por onde moradores e visitantes vêem as histórias do local.
10 Rádio Armazém
Foto: Na foto, comunicadores da rádio em matéria do Diário sobre o aniversário da rádio.Charles Guerra/DSM, 2017
Atualmente, a sede da Rádio Armazém é a Vila Belga. A rádio, que nasceu em maio de 2015, difunde, divulga e apoia a cena cultural de Santa Maria. On-line, ela leva aos ouvintes uma programação nova, moderna, alternativa e impulsionada pela paixão do “fazer um novo rádio”. A Rádio hoje funciona com mais de 30 colaboradores/comunicadores, e é apoiada pelo Laboratório Sócio Cultural da UFSM e por apoiadores culturais e empreendedores da cidade.
Atualmente, desde a pandemia do coronavírus, algumas transmissões ocorrem de maneira remota, da casa dos comunicadores.
11 Casa Vórtice / Bar Left Rock
Foto: Eduardo RamosO bar funciona no mesmo espaço que a Casa Vórtice, que também abriga um estúdio de tatuagem
As paredes com artes coloridas feitas por artistas como Camila Nuñez e Stéfani Agostini mostram que o Left Rock, bar que se instalou na Vila Belga em setembro de 2021, veio para oxigenar o lugar histórico. Para a proprietária Aline Gatiboni, o bar surgiu do sentimento de carência de lugares para frequentar após o trabalho, para reunir os amigos, sentar em cadeiras de praia, usar chinelos de dedo e contar bons causos. Além disso, o bar funciona no mesmo espaço que a Casa Vórtice, que abriga um estúdio de tatuagem, idealizado pela artista visual e tatuadora Débora Iglesias.
– Já me contaram que Santa Maria nasceu aqui, na Vila Belga, então meus olhos sempre brilham para esse lugar. E a vontade de oferecer ao pessoal da cidade um espaço seguro, aberto, com árvores, boa comida e boa conversa, já era bem antiga. Daí surgiu a parceria com a Casa Vórtice, que está na Belga desde 2019.
O Left é só uma amostra de todo potencial boêmio e até gastronômico que a Vila tem.
– É incrível pensar que, ao mesmo tempo em que reunimos a juventude, também conseguimos ajudar no resgate da história do movimento ferroviário e não deixar essa memória se apagar nunca – diz Aline.
12 Empreendedorismo
A Vila Belga tem um potencial empreendedor notável e que, ao longo dos anos, tem sido incentivada com projetos como o Distrito Criativo. A auxiliar de produção Thiane Santos da Silva consegue uma renda extra com a comercialização produtos do universo geek feitos em cartonagem, técnica que utiliza papelão, tecido e papel para colorir e alegrar ambientes. A artesã começou a empreender quando surgiu o Brique.
– A Belga é uma grande vitrine a céu aberto e oportuniza principalmente aos artesãos que o trabalho seja visto, reconhecido. Então, além de contribuir para a manutenção da história viva, a gente ainda consegue vender a nossa arte.
A artesã Maria de Fátima Freire de Medeiros também encontrou na Vila Belga uma oportunidade para empreender. Com cinco anos de trabalho com artesanatos, Maria começou as produções com o MDF e depois se encantou pela versatilidade dos tecidos. Assim, expõe o trabalho em patchwork no Brique da Vila Belga desde a terceira edição do evento que aconteceu em 2015.
– A Belga se tornou um espaço para expor trabalhos e garantir uma renda extra, é muito bom ver nosso trabalho sendo reconhecido – comemora.
13 Brique
Brique ocorre no 1° e 3° domingos de cada mês
Há 7 anos, pelo menos em dois domingos de cada mês, o Brique da Vila Belga ocupa as calçadas do lugar e cria novos capítulos para a história do patrimônio cultural de Santa Maria. O tradicional evento reúne dezenas de pessoas tanto para comercializar diferentes produtos quanto para consumir.
A feira é um lugar de possibilidades. Seja para encontrar amigos, reencontrar conhecidos e curtir o sol que bate no rosto aos finais de tarde, o Brique da Vila Belga enche o espaço, que concentra 84 casas e dezenas de famílias, de uma energia quase inexplicável e uma alegria genuína.
Para Kalu Flores, um dos idealizadores do Brique, o evento trouxe um impacto positivo para a cidade e, hoje, já faz parte da identidade de Santa Maria.
– Desde que começou, já passaram mais de 600 expositores pelo Brique. Ele serve como uma vitrine para as pessoas exporem seus trabalhos. Além das milhares de pessoas que frequentam o brique e compartilham momentos de pura felicidade por aqui – destaca Kalu
14 Distrito Criativo
O objetivo é concentrar iniciativas de economia criativa no Centro Histórico, que são todas aquelas atividades que utilizam o capital intelectual, a cultura e a criatividade para gerar valor.
O projeto Distrito Criativo foi lançado pela prefeitura em 19 de agosto do ano passado. A iniciativa é o primeiro passo para que, de fato, ocorra a tão sonhada revitalização do Centro Histórico da cidade, que abrange a Avenida Rio Branco, a Gare e, claro, a Vila Belga.
E o futuro mais colorido para a região já está em andamento. A partir de investimentos na estrutura da Vila Belga, como melhorias na iluminação públicas, nas ruas e calçadas, a ideia é estimular os empresários a ocupar essa região da cidade, fazer girar a economia, trazer novos empreendimentos, e tornar esse cartão postal, hoje deteriorado pelo tempo, atrativo a médio prazo. Isso faria que, por consequência, a região fosse revitalizada a partir da concentração de iniciativas de economia criativa no Centro Histórico, que são todas aquelas atividades que utilizam o capital intelectual, a cultura e a criatividade para gerar valor.
Para o vice-prefeito Rodrigo Décimo, um dos principais responsáveis pela idealização do Distrito Criativo, a iniciativa conta com a participação dos moradores que conhecem de fato todas as necessidades da Belga.
15 Patrimônio Belga no exterior
Foto: Eduardo RamosPlaca fica na entrada principal da Vila, na Rua Manuel Ribas
Não é exagero. Em 2016 a Belga recebeu o prêmio Patrimônio Belga no Exterior do Governo da Bélgica. A prefeitura de Santa Maria, em novembro do ano passado, instalou uma placa para celebrar o prêmio. A cerimônia contou com a presença de uma comitiva do Consulado Geral da Bélgica, que aproveitou a ocasião para passear pelas ruas históricas e conferir uma amostragem do tradicional Brique da Vila Belga.
Na ocasião, artistas da Companhia Armazém acompanharam a comitiva e, ao longo do passeio, narraram a história de mais de 100 anos da vila histórica. Os olhares atentos do cônsul da Bélgica no Brasil, Thomas Maes, da cônsul honorária da Bélgica no Brasil, Katia Pinheiro, e do historiador Marc Storms, denunciaram o encanto pelo local santa-mariense que carrega, também, um pouco da Bélgica na história.